quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Micromegas, Freakonomics e prazos



Não há nada mais relativo do que a percepção que se tem da duração de um lapso temporal: tanto se pode nem dar pela sua passagem, como achar infindável cada instante que demore. As questões de prazos são, pois, sempre sensíveis.
No contencioso administrativo, prevê-se (58º CPTA) um prazo de 3 meses para impugnação de actos administrativos; contudo, o 58º/4 faculta o alargamento desse prazo até um ano. Embora muito estimada pelos advogados, um clássico da economia talvez ajude a perceber como esta disposição pode ter efeitos nefastos. No livro Freakonomics (Stephen D. Levitt/Stephen J. Dubner, 2005), dá-se conta de que, em Israel, havia um infantário em que os pais deveriam recolher as crianças até às quatro da tarde. Acontecia, porém, que muitas vezes os encarregados se atrasavam, deixando os infantes à espera. Um grupo de economistas propôs, como meio de pôr termo a tal situação, a introdução de uma multa equivalente a três dólares por cada atraso. Resultado: o número de atrasos aumentou substancialmente. Os pais, ao que parece, percepcionaram a nova política como um serviço que se poderia pagar – deixaram de sentir o incentivo moral para não chegar atrasados. Pior: quando a multa foi retirada, o número de atrasos não diminuiu, já que o “serviço” passara a ser gratuito, desaparecendo por completo o incentivo moral*. Na economia do 58º, qual o incentivo moral para respeitar o prazo de três meses?
Claro que isto só se aplica a actos anuláveis, já que a nulidade é invocável a todo o tempo. Ora, esta diferença de regime tem merecido críticas a alguma doutrina. Em concreto, o Prof. Vieira de Andrade tem-se pronunciado desfavoravelmente face ao regime “apocalíptico” que é dispensado à nulidade, pugnando pela intervenção dos princípios da boa fé e da tutela da confiança na “moderação” do regime legal dessa invalidade. Entre outras coisas, defende o Autor que a declaração de nulidade de actos favoráveis não deveria ser admitida a todo o tempo, mas apenas “num prazo razoável” (por imperativos de protecção da boa fé do particular e de estabilidade das situações jurídicas)**.
Numa simplificação, a ideia parece ser a de que, se na anulabilidade o regime, no que toca a prazos, é muito rígido, no domínio da nulidade ele é demasiado generoso. Temo, porém, que seja uma questão relativamente à qual nunca haverá consenso. Neste ponto, é um clássico da literatura que convoco em meu auxílio. No segundo capítulo do Micromegas, novela filosófica de Voltaire, é relatado um diálogo entre Micromegas, o nosso herói, habitante do planeta Sirius, figura de proporções gigantescas quando comparado com os seres humanos e dotado de longuíssima vida, e um habitante de Saturno, baixote e de vida fugaz quando comparado com aquele, mas igualmente gigante e de longa vida quando comparado com os meros terráqueos. A dado ponto, perguntam-se mutuamente quanto tempo vivem as respectivas espécies. Se o habitante de Saturno lamenta “tão pouco!”, Micromegas retorque: “é como nós! (…) não vivemos mais do que quinhentas grandes revoluções do Sol (o que vem a dar cerca de quinze mil anos). Bem vedes que é morrer quase ao mesmo tempo em que se nasce (…); estive em países onde se vivia mil vezes mais tempo que na minha terra, e vi que ainda resmungavam”.
Nada mais relativo do que a percepção que se tem da duração de um prazo: tanto se lhe pode apontar desmesurada extensão, como desabafar que “é morrer quase ao mesmo tempo em que se nasce”.


*Para uma apreciação pormenorizada do caso, veja-se http://www.nytimes.com/2005/05/15/books/chapters/0515-1st-levitt.html?_r=0 e, como primeira abordagem, o artigo “Ceteris Imparibus”, de João Duque (caderno de Economia do Expresso”, de 17 de Novembro de 2012)
**Cfr. J. C. Vieira de Andrade, “A nulidade administrativa, essa desconhecida”, in Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Diogo Freitas do Amaral, pp 763-791 (784)


Lourenço Santos
Subturma 8

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Troika do vento que passa



0.      De suma importância em face do contexto – que é, unanimemente designado de crise[1] (divergindo as causas e as soluções apontadas para a mesma) – é, começamos por dizê-lo, ponderar, reflectir – divergir, com certeza. Em causa está o Estado - de coisas[2] (se é permitido o trocadilho) e, ademais, a (in)discussão sobre o modelo de Estado a seguir põe em relação, relativizando ou revitalizando, conceitos que consideraríamos perenes, ainda que essa tenha sido sempre uma estabilidade algo instável: v.g o conceito de interesse público. Pergunta-se: poderá o Direito do Contencioso Administrativo “passar entre os pingos da chuva”? Evidentemente que não. A não ser que, por artes mágicas, se finja de morto… negando-se a si mesmo.

1.
      Portanto, e por ser este um tema inesgotável, pretende-se reflectir sobre o Contencioso Administrativo e a crise actual através de dois pontos e reticências: a Constituição da República Portuguesa e a União Europeia…

1.1 Questão prévia relevantíssima é apurar se fará sentido falar de um Contencioso Administrativo em tempos de crise[3]. O mesmo significa, em nosso entender[4]: a) indagar da relevância do contexto nas situações que estão no âmbito de jurisdição administrativa (212ºnº3 CRP, art.4ºETAF); b) urge saber, em última análise e em primeira ratio, se o contexto afecta a possibilidade de exercício de direitos pelos particulares, em especial limitando o acesso aos tribunais administrativos, tendo por base maxime o direito de tutela jurisdicional efectiva (art. 20ºnº1 CRP). 

Quanto a a), parece claro que sendo o Contencioso Administrativo constituído por normas processuais ou adjectivas instrumentais à tutela do direito material[5], não é indiferente ao que se passa neste último. O Contencioso Administrativo não é um ente autónomo, se quisermos de duas perspectivas: os tribunais administrativos estão, nos dias que correm, obrigados a ponderar questões do contexto na apreciação de litígios provenientes de relações jurídicas administrativas, maxime, nas relações administrativas contratuais[6]; de outra banda, o Contencioso Administrativo é (ou deve ser) Direito Constitucional concretizado, na expressão clara de Vasco Pereira da Silva[7].

Assim, quanto a b), pressuposto lógico da possibilidade de exercer direitos é a existência destes, a qual é garantida pela letra da Constituição vigente. Mas convém não olvidar: o exercício de direitos depende de condições económicas para tal
[8]. A suspensão de direitos (v.g. subsídio de férias e de natal) a que assistimos tem um efeito pró-cíclico, esvaziando outros direitos de conteúdo útil para o particular[9].. Enfatize-se: no momento em que o cidadão mais precisa da Constituição, esta parece estar suspensa. Não é novidade que o Direito Constitucional português sofre, contemporaneamente, sintomas de “esquizofrenia”: por um lado, diz-se a que uma revisão constitucional é desnecessária; por outro,  a praxis política quotidiana viola a letra da Lei Fundamental[10]. Em síntese: avoluma-se a dúvida de como interpretar a Constituição, no quadro de um Estado de necessidade.

Portanto, regressando à questão perguntada em 1.1, parece aqui não ser possível ter “sol na eira e chuva no nabal”. Deste modo, “vem aí mais chuva?”, perguntará o leitor atento, porventura particular preocupado com o pavimento já molhado do “Estado a que isto chegou”, para utilizar a célebre expressão de Salgueiro Maia. Apetece recordar um famoso diálogo do filme Casablanca e responder “Teremos sempre a Constituição”. Mas será que temos? Parece que há-que distinguir aqui entre a praxis política e possibilidade de invocação contenciosa dos direitos fundamentais, o que pode levar a rever os tribunais como defesa última das garantias dos particulares[11]. Mas não se ignore que o contexto difícil traz ao de cima problemas neste último sentido, que genericamente podem ser designados como reavivadores do fundamento do poder, i.e., do contrato social.

1.2 Reitere-se o dito em 1. e analise-se tal através de dois conceitos administrativos na ordem do dia: o Estado de necessidade (2.1) e a discricionariedade administrativa (2.2).

2.1 Dando sequência ao que se vem dizendo, claro é reconhecer que a “metamorfose” da Administração[12] é hoje determinável através da variável sustentabilidade. Ou seja, a reserva do financeiramente possível tende a determinar a actuação administrativa. Tal “modus vivendi” da Administração é enquadrável pela figura do Estado de necessidade (339ºC.C., 3ºnº2 CPA). É bom lembrar que o “Conseil d’État” é marco fundamental na sedimentação da figura; entretanto, a evolução histórica deste instituto fez deslocar o eixo do ocasionamento de danos a particulares para o aspecto central da preterição, sem efeito invalidante, de normas em princípio aplicáveis[13].
É hoje assente que estamos perante legalidade excepcional e que o prejuízo causado ao particular terá que ser indemnizado (3ºnº2CPA in fine); de outra banda, entende a doutrina que o art.19nº6 CRP se constitui como limite intransponível pelo conteúdo dos poderes de necessidade[14]. Precisamente nesse sentido, há-que buscar a legitimação do Estado de necessidade, sabendo que nesta “o poder predomina sobre a liberdade, com o fundamento – que não foi o único argumento na História -, da reposição da normalidade”[15].
Recentemente veio Sérvulo Correia actualizar a noção da figura em apreço[16], escrevendo: “permissão normativa de actuação administrativa discrepante das regras estatuídas, como modo de contornar ou atenuar um perigo iminente e actual para um interesse público essencial, causado por circunstância excepcional não provocada pelo agente, dependendo a juridicidade excepcional de tal conduta da observância de parâmetros de proporcionalidade e brevidade e ficando a Administração incursa em responsabilidade pelo sacrifício.” Tal acontece já depois de Acórdão do STA de 2004[17] que definia aquela, parafraseando Marcello Caetano, como a “actuação sob o domínio de um perigo iminente e actual para cuja produção não haja concorrido a vontade do agente”… Parece a nova noção doutrinária ter o mérito de ir de encontro à excepcionalidade da figura (que decorre, reforce-se, da ratio desta) configurando-a em termos exigentes e cuidadosos do dia a seguir - assim teria sempre que acontecer, se se quisessem respeitar os limites constitucionais impostos já referenciados.

Observe-se que os pressupostos do estado de necessidade administrativa se traduzem em conceitos indeterminados, cujo preenchimento importa a correlativa margem de livre apreciação[18]. De quem, pergunta o (e)leitor? Da Administração, evidentemente. Ora, não teremos aqui, no pior dos cenários, um perigosíssimo poder de “auto-desvinculação” da Administração? Isto é: não poderá a Administração escudar-se numa situação de facto por si propiciada (passado) ou para a qual vem concorrendo (presente) para lesar direitos fundamentais, incumprindo a lei? No fundo, não parece possível ignorar que a “comovente penúria financeira da Administração” (já noutros tempos invocada) não é só contexto, mas também pretexto: de racionalização de meios mas também de uma (ir)racionalização dos direitos dos particulares[19] - que se nos afigura sobretudo uma inversão ontológica entre a ordem das coisas e a ordem das pessoas[20].

 E eis que reentra aqui o Contencioso Administrativo, pois do exposto resulta indispensável o controlo jurisdicional pelos tribunais administrativos[21], sendo neste particularmente relevante em nossa opinião o requisito de brevidade - dado que a invocação do estado de necessidade constitui quebra de interesse público de que a Administração observe as regras estabelecidas[22], poderão existir, na origem ou concomitantemente com a indemnização devida,  interesses legítimos conflituantes sobrepostos no caso pela ponderação de valores, passíveis de serem repostos.

Em jeito de epílogo, parece agora, diferentemente do que sucedeu outrora, que poderá ser o Contencioso a abrir caminho à superação de alguns “comportamentos cíclicos” enquadráveis sob o Estado de necessidade. Dir-se-ia, utilizando a paradigmática expressão do Professor Vasco Pereira da Silva, que cabe agora sentar a Constituição “no divã do Contencioso Administrativo”, por forma a, pelo confronto com a realidade, relembrá-la da importância material da sua vigência para a prossecução do interesse público.

2.2 Sobre o momento presente, é forçoso associá-lo à discussão de um Estado-conceito em crise, sob duas vertentes administrativistas por natureza: a) é já ao nível da União Europeia que faz mais sentido pensar os fins gerais[23] enquanto pressuposto da actuação administrativa[24]; b) associado ao momento de crise, a promessa de um novo modelo de Estado (de ruptura com o Estado pós-Social), que é incerto[25] em consequência da constante invocação de um Estado de excepção (v.2.1).

Assente que o verdadeiro alcance teleológico a prosseguir pela Administração está para além do Estado, desde logo pela natureza das questões transnacionais se colocam hoje, que poderão ser melhor (ou só verdadeiramente) resolvidas pela União Europeia, é também sabido que o período de europeização do Contencioso Administrativo veio aproximar ordenamentos jurídicos, desta resultante a influência recíproca entre o espaço europeu e nacional, sendo que daqui decorreria idealmente: i) Europeização de fins gerais – maxime num sonhado interesse público europeu; ii) a indispensável e concomitante padronização de conceitos administrativos.

Ora, no que toca a i), o que se passa é que o interesse público europeu não existe uno, mas numa pluralidade de interesses fragmentados - à semelhança de uma manta de retalhos, dir-se-ia.
Isso explica em parte a crise também da União Europeia; noutra parte a crise dos Estados-membros individualmente considerados.

Quanto a ii), vejamos: se há elemento nuclear na definição sistemática de cada Direito Administrativo (nacional ou europeu) em sentido amplo - em convergência e reconstrução, respectivamente, à luz do que se disse - é a vexata quaestio da discricionariedade administrativa[26], aliás indissociável contenciosamente da amplitude do seu controlo jurisdicional (tendo em conta o princípio da separação de poderes). É questão antiquíssima e pode ser hoje sintetizada assim: julgar a Administração é ainda julgar (v. art.71ºnº2 CPTA). Em Portugal, já não se duvida do seu enquadramento na legalidade administrativa[27], a dois níveis[28]: a) por ser necessária, como sempre foi, à actividade da Administração, em resultado da própria natureza das tarefas da competência daquela b) por estar vinculada aos ditames que fluem dos princípios vinculantes da Administração (v. art.3ºnº1 CPTA[29]).
Note-se sendo a discricionariedade uma das formas possíveis de estabelecer a subordinação da Administração à lei[30], deve ter-se presente o princípio da legalidade no sentido de fundamento e limite da actividade administrativa (art.266º CRP, 3º CPA), i.e., da prossecução do interesse público. Ad contrario, há um sintoma patológico quando assim não seja, conforme defende Colaço Antunes[31].
Finalmente, reside o seu fundamento, de forma mais ou menos explícita entre autores, nos fins gerais da Administração, sejam estes mais aproximados do fim clássico de prossecução de interesse público ou do Estado Social de Direito.

Não deixa de ser curioso notar que, no âmbito do processo por incumprimento, a Comissão Europeia aparenta um poder discricionário sui generis, porque não vinculado de todo, sequer quanto à emissão de parecer (v.259º3ºpar.TFUE). Assim, regista-se que a União Europeia é a má influência aqui…atenta a variabilidade deste conceito. À luz do fundamento da discricionariedade, parece ser discutível desde logo a configuração de poder discricionário numa União dividida: quais os fins efectivamente prosseguidos? Existirá uso ilegítimo da discricionariedade? Estando ainda e sempre a Administração subordinada à lei quanto ao resultado da sua actuação (sendo a discricionariedade uma concessão legislativa de forma subordinada à legalidade) - 266ºCRP e 3ºCPA no sistema português; o princípio da competência por atribuição na ordem jurídica eurocomunitária, v. art.5ºTUE -, esta resposta é passível de ser obtida pelos tribunais. Um caminho possível é o controlo judicial da discricionariedade aumentar, por efeito compensatório da crise de fins gerais.

Alea jacta est. Perante isto têm a palavra o cidadão, o Estado e os tribunais. Irá o Estado definir o seu rumo? Irão os tribunais administrativos administrar a justiça em nome do povo (art.202ºnº1 CRP)? Uma coisa parece certa: o caminho está - outra vez - mais estreito para o particular.


João Tiago Freitas Mendes
nº19687
subturma 6







Bibliografia

AMARAL, Diogo Freitas do – Curso de Direito Administrativo, vol. II. Almedina, 2011.
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ANDRADE, Vieira de – A Justiça Administrativa (Lições). Almedina, 2009.
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CORREIA, José Manuel Sérvulo – Direito do Contencioso Administrativo, vol. I. Lex, 2005.
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Responsabilidade das entidades públicas na formação dos contratos: tópicos de reflexão, em tempos de crise… (in Cadernos de Justiça Administrativa, nº88, pp.37-42). CEJUR, 2011.
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MARTINS, Afonso D’Oliveira – A Constituição e a Crise(in Estudos em homenagem ao Prof. Doutor Jorge Miranda, vol.I., pp.85-96). Almedina, 2012.
MIRANDA, Jorge – princípios constitucionais do contencioso administrativo
MIRANDA, Juliana Gomes – Indícios de uma Teoria da Excepcionalidade Administrativa: a juridicização do estado de necessidade (Tese de Mestrado). FDUL, 2007.
OTERO, Paulo – Legalidade e Administração Pública. Almedina, 2003.      
A Administração Pública Nacional como Administração Comunitária: os efeitos internos da execução administrativa pelos Estados-Membros do Direito Comunitário (in Estudos em Homenagem à Prof. Doutora Isabel de Magalhães Collaço, pp.817-830).Almedina, 2002.
RAWLS, John – A Theory of JusticeOxford University Press,1980 (reimpressão).
SANDEL, Michael J. – O Liberalismo e os Limites da Justiça. Fundação Calouste Gulbenkian, 2005.
SILVA, Vasco Pereira da – O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise. Almedina, 2009 (2ª ed.).
- Em Busca do Acto Administrativo Perdido. Almedina, 2003.
Estruturas da Sociedade: Liberdade e Solidariedade (Separata da Obra Gaudium et Spes). Rei dos Livros, 1988.
VAZ, Manuel Afonso – O tempo e a efectivação dos Direitos Fundamentais (in Revista de Direito Público, ano III, nº6, pp. 45-54). Almedina, 2012.



[1] Sendo embora esta uma palavra gasta, há-que reconhecê-lo, na linha do que refere o Professor Vasco Pereira da Silva.
[2] De coisas por oposição a pessoas, bem entendido.
[3] Logo agora que tantos e tão antigos traumas teriam sido superados, eis o Contencioso perante circunstancialismos do tempo – l’air du temps, na expressão eloquente de Prosper Weil. Cfr. Manuel Afonso Vaz, O tempo…ob. cit., p.45.
[4] Pode dizer-se, com razão, que a formulação destes indícios é ampla e que, por essa via, todo e qualquer contexto é propenso a afectar – rectius, afecta inevitavelmente – o seu Direito. Assim é e sempre assim foi, pelo que o que aqui se discute são algumas, entre muitíssimas mais, das condicionantes específicas deste tempo: desta crise.
[5] Acompanha-se de perto, neste passo, o que refere Sérvulo Correia, Direito do…ob.cit., p. 33: “a coerência sistémica derivada da conjunção entre o exercício de uma jurisdição aplicativa de Direito Administrativo material, uma rede de meios processuais expressamente criados ou adaptados àquela finalidade (…)”.
[6] Veja-se a “hipótese meramente académica”, aliás motivadora deste escrito, em que se baseia a nossa simulação de Contencioso Administrativo, redigida pelo Prof. Vasco Pereira da Silva. Tendo presente a lição relevantíssima da Professora Maria João Estorninho, Responsabilidade…ob.cit., p.42: “Na verdade, quando as razões de interesse público que justificam a desistência de contratar da entidade adjudicante se prendem, não propriamente com novas opções (o que, à luz do princípio da igualdade na repartição dos encargos públicos, justificaria que as expectativas frustradas fossem integralmente compensadas), mas antes com situações de dificuldades financeiras públicas, dir-se-ia que o mesmo princípio da igualdade na repartição dos encargos públicos obriga a soluções precisamente de sentido inverso. Soluções pensadas, noutro contexto, para evitar que as entidades adjudicantes pudessem desistir de ânimo leve dos procedimentos pré-contratuais tornar-se-iam, em situações de crise, absolutamente perversas do ponto de vista dos dinheiros públicos…”.[7] Note-se que o Contencioso Administrativo está umbilicalmente ligado à jurisprudência na sua origem e depende da Constituição, enquanto i) garante da sua existência ii) parâmetro de validade daquele. V. Vasco Pereira da Silva, O Contencioso...ob.cit., p.
[8] Nas palavras de John Rawls: “A conception of social justice, then, is to be regarded as providing in the first instance a standard whereby the distribuctive aspects of the basic structure of society are to be assessed. This standard, however, is not to be confused with the principles defining the other virtues”. V. John Rawls, A theory…ob.cit., p.9.
[9] E eis senão quando se salienta um paradoxo quanto ao próprio modelo neoliberal: no momento em que o Estado se minimiza, para abrir espaço ao particular na economia, na sociedade; o cidadão vê os seus direitos instrumentalizados de maneira pouco consentânea com a tese política reinante.
[10] Se aquela não opera por falta de consenso político, i.e, de legitimidade democrática, caberia ao Governo daí retirar as consequências “de vida(s)” (passe o trocadilho) da Constituição. Veja-se o exemplo da descentralização e da autonomia local, por sinal um postulado do Estado Social (v. Vasco Pereira da Silva, O Contencioso…ob.cit., p. 35), cfr. arts 237º e 238º CRP, em especial, tendo em consideração: a) a  centralização comunitária no Estado da responsabilidade pela execução do Direito Comunitário que se vai repercutir na estrutura organizativa interna da Administração Pública (v. Paulo Otero, A Administração Pública…ob.cit., p. 824 ; b) a recentíssima reorganização administrativa local, que se quanto à ideia é discutível, quanto ao modo de execução é inconstitucional.
[11] V. também 2.2. Lembrando aqui a noção apresentada pelo Prof. Freitas do Amaral: “meios criados pela ordem jurídica com a finalidade de evitar ou sancionar as violações de direito objectivo, as ofensas dos direitos subjectivos ou dos interesses legítimos dos pariculares, ou demérito da acção administrativa, por parte da Administração pública”. Freitas do Amaral, ob.cit., p. 747.
[12] Resultante de um processo, desejavelmente imparável, de adaptação ao contexto, tal como pretendem estas linhas reflectir.
[13] Idem, ibidem.
[14] Idem, p.740.
[15] Cfr. Juliana G.Miranda, ob.cit., p.163.
[16] Sérvulo Correia, Revisitando…ob.cit., p. 746.
[17] Indicada por Sérvulo Correia, Revisitando…ob.cit., p. 719, nota 1.
[18] Colocando assim a questão, Idem, p.741-745.
[19] Sendo que daquela a esta vai, como canta Sérgio Godinho (“O Charlatão”) , “o passo de um anão”.
[20] “A ordem das coisas deve submeter-se à ordem pessoal e não o contrário. O próprio Senhor o indicou, quando disse que o sábado foi feito para o homem e não o homem para o sábado.” In Gaudium et Spes, cfr. Vasco Pereira da Silva, Estruturas…ob.cit., p.131.
[21] A que corresponderia um aumento da pouca jurisprudência nesta matéria.
[22] V. Sérvulo Correia, Revisitando…ob.cit., p.721.
[23] V. Colaço Antunes, ob.cit., p. 49: “na fase actual já não personifica um ordenamento jurídico de fins gerais, pelo que a doutrina, inclusive administrativista, teve que ir à procura de um novo centro de imputação”.
[24] Sem embargo de a execução administrativa do Direito da União Europeia obedecer, regra geral, a um princípio de execução indirecta. A questão aqui referida é prévia à execução. V. Paulo Otero, A Administração Pública…ob.cit., p.818-819.
[25] “O liberalismo ensina-nos a respeitar a distância que separa o eu dos seus fins e, quando esta distância se perde, submergimos numa circunstância que deixa de ser nossa. No entanto, ao procurar consolidar esta distância de maneira mais completa, o liberalismo enfraquece a sua própria visão. Ao colocar o eu para além do alcance da política, transforma o agir humano numa questão de fé, em vez de objecto de atenção e de preocupação contínuas, numa premissa da política, em vez de conquista precária dela. Isto equivale a perder a noção do pathos da política, bem como das suas possilidades mais inspiradoras. Fechar os olhos ao perigo de que, quando a política se desencaminha, daqui não decorrerão provavelmente apenas desilusões, mas também desorganizações.”V.Michael J.Sandel, O Liberalismo…ob.cit., p.241.
[26] Tal convoca a memória e o presente do Contencioso Administrativo.
[27] V. Freitas do Amaral, ob.cit., p. 84-99.
[28] Aqui se denotando a influência da distinção de Von Laun entre limites internos e externos. Sobre este ponto, v. Colaço Antunes, ob.cit., p. 289.
[29] Edificado enquanto limite funcional da justiça administrativa.
[30] Freitas do Amaral, ob.cit., p. 98.
[31] Colaço Antunes, ob.cit., p. 645.

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

A suspensão do prazo de impugnação contenciosa no n.º4 do artigo 59.º do CPTA: a notificação da decisão posterior ao decurso do prazo legal que o órgão administrativo dispõe para decidir.


A suspensão do prazo de impugnação contenciosa no n.º4 do artigo 59.º do CPTA: a notificação da decisão posterior ao decurso do prazo legal que o órgão administrativo dispõe para decidir.
Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
de 27.10.2008, P. 0848/06



Suspensão de Prazo. Retificação do ato administrativo.

I - Nos termos previstos no art. 59º/4 do CPTA, a suspensão do prazo de impugnação contenciosa cessa com a notificação da decisão proferida sobre a impugnação administrativa ou com o decurso do prazo legal para a decidir, conforme o facto que ocorrer em primeiro lugar.
II - A decisão da impugnação administrativa só determina o inicio de novo prazo de impugnação judicial do ato administrativamente impugnado quando corporize a respetiva retificação e esta diga respeito à indicação do autor, do sentido ou dos fundamentos da decisão (art. 59º/8 CPTA).[1]

Acordam no Pleno da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

1.      Relatório
A…, devidamente identificado nos autos, intentou, na Secção do Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal, contra o Conselho Superior do Ministério Público, ação administrativa especial de impugnação da deliberação do Plenário do Conselho Superior do Ministério Público, datada de 26 de Abril de 2005, que atribuiu ao agora autor a classificação de Medíocre, em cumulação com o pedido de condenação do réu na prática de ato legalmente devido. 
Por acórdão da Secção, de 22 de Março de 2007, proferido a fls. 166-181, foi julgada improcedente a ação. 
1. Inconformado, o autor recorre para o Pleno, apresentando alegações com as seguintes conclusões:
A. Ao negar provimento à ação administrativa especial, o acórdão impugnado incorreu em erro de julgamento devendo ser revogado e substituído por outro que determine a declaração de nulidade ou a anulação do ato impugnado na ação, e condene a entidade demandada no reconhecimento da classificação resultante da presunção legal constante do n° 3 do artigo 112° do Estatuto do Ministério Público.
B. O acórdão recorrido é inválido por erro de julgamento, no sentido da alínea b) do n° 1 do artigo 690° do Código do Processo Civil, devendo ser revogado, porquanto o direito de ação não havia caducado no que diz respeito aos fundamentos de invalidade do ato impugnado determinantes da suscetibilidade de anulação.
C. Diferentemente do que julgou a Secção, a regra resultante do n°4 do artigo 59° do Código do Processo nos Tribunais Administrativos é que o prazo de impugnação contenciosa do ato administrativo se suspende até à notificação da decisão da impugnação administrativa. Se não houver decisão (e, portanto, apenas nos casos de omissão de cumprimento do dever de decisão), a suspensão cessa com o decurso do prazo de decisão da impugnação efetivamente interposta. 
D. Como a decisão da reclamação administrativa interposta pelo agora recorrente ocorreu em 17 de Maio de 2006, tendo existido pronúncia expressa, só a partir da notificação dessa decisão retomou o seu curso o prazo de impugnação contenciosa do ato.
E. Por outro lado, a deliberação do Conselho Superior do Ministério Público de 17 de Maio de 2006 integrou a deliberação de 26 de Abril de 2005 (e a de 29 de Setembro de 2004, no entendimento do Tribunal...), já que aduziu elementos relativos à justificação que não fluíam da deliberação de Abril de 2005, nem da antecedente.
F. Assim, como a deliberação de 17 de Maio de 2006 integrou na anterior uma justificação até aí inexistente (e que era necessária como se compreende facilmente compulsando os fundamentos da ação que antecedeu o presente recurso) não pode deixar de proceder a uma novação do prazo para a impugnação contenciosa do ato administrativo em causa, que manifestamente ainda estava em curso aquando da propositura da ação.
G. Consequentemente deve ser revogado o acórdão recorrido na parte em que recusou conhecer das invalidades imputadas ao ato impugnado determinantes de mera anulabilidade (falta de audiência prévia do interessado, erro sobre os pressupostos de facto, violação do princípio da imparcialidade e violação do princípio da proporcionalidade) procedendo-se à apreciação de tais vícios e determinando-se a anulação do ato impugnado.
H. O acórdão recorrido é também inválido por erro de julgamento, no sentido da alínea b) do n° 1 do artigo 690° do Código do Processo Civil, devendo ser revogado e substituído por outro porquanto em 29 de Setembro de 2004 não existiu qualquer deliberação do Plenário do Conselho Superior do Ministério Público atribuindo ao autor a classificação de Medíocre, já que a entidade demandada se limitou a rejeitar o projeto de atribuição ao Autor da classificação de Bom, manifestando uma opinião maioritária pela atribuição da classificação de Medíocre e mandatado um vogal para elaborar projeto de deliberação.
I. A deliberação de classificação constitui um ato administrativo formal, ou seja, um ‘tipo’ de ato administrativo sujeito a requisitos próprios e específicos (por exemplo, os requisitos mencionados no artigo 113° do Estatuto do Ministério Público), que se encontram em absoluto ausentes. Logo, em 29 de Setembro de 2004, não é reconhecível qualquer deliberação classificatória.
J. O sentido perfilhado pelo acórdão recorrido viola, claramente, o nº 2 do artigo 122° e as alíneas c), d) e e) do artigo 123° do Código do Procedimento Administrativo, já que não houve redução a escrito de qualquer projeto de deliberação, não houve qualquer enunciação das causas fácticas e jurídicas, não houve qualquer indicação expressa dos motivos nem sequer foi definido o alcance global do conteúdo da decisão.
K. De todo o modo, tratou-se de uma deliberação nula, nos termos do artigo 133° do referido Código do Procedimento Administrativo, já que lhe faltam elementos essenciais, e como tal devia ter sido declarada pelo acórdão recorrido, que errou na aplicação do direito e violou as disposições citadas. Deve, consequentemente, ser revogado e substituído.
L. Por outro lado, ao decidir que a deliberação de 29 de Setembro de 2004 é uma decisão classificatória existente e válida, o acórdão impugnado julgou erradamente e em violação da lei, já que o ato impugnado na ação carece em absoluto de fundamentação contextual, bem como da forma legalmente exigida, não permitindo reconhecer as características do tipo de ato administrativo a que se arroga, violando a alínea f) do nº 2 do artigo 133° do Código do Procedimento Administrativo e devendo ser declarado nulo.
M. Em sentido equivalente, a deliberação de 26 de Abril de 2005 deveria ter sido declarada nula porque é um ato consequente de ato nulo. O acórdão recorrido decidiu mal, em violação da consequência disposta na alínea i) do n° 2 do artigo 133° do Código do Procedimento Administrativo, devendo ser revogado e substituído por outro que julgue no sentido proposto.
N. Ao invés do julgado pela Subsecção, o artigo 216° do Estatuto do Ministério Público não autoriza a aplicação dos requisitos de decisões judiciais tal como estabelecidos no Código do Processo Penal e do Código do Processo Civil às decisões administrativas do Conselho Superior do Ministério Público. Trata-se de uma aplicação supostamente supletiva que é repelida pela própria natureza dos atos. Além do mais, não existe qualquer lacuna a colmatar: o Código do Procedimento Administrativo não permite nem a fundamentação sucessiva nem a intervenção de membros que não integram o órgão nem a deliberação sem quórum...
O. Deste modo, o acórdão recorrido errou ao fazer apelo à aplicação de disposições do Código de Processo Penal e do Código do Processo Civil para justificar o fosso temporal da pronúncia sobre o projeto de deliberação face à reunião de Setembro de 2004, devendo antes concluir-se pela nulidade da deliberação impugnada por violação grosseira das regras legais relativas à formação da vontade colegial, nomeadamente nos termos da alínea g) do n° 2 do artigo 133° do Código do Procedimento Administrativo. Termos em que deve o acórdão recorrido ser revogado e substituído.
P. A deliberação do Conselho Superior do Ministério Público, de 29 de Setembro de 1999, que classificou o Autor de Medíocre, apreciou o serviço prestado no período compreendido entre … de 1995 e … de 1998. Como esta deliberação foi anulada e a anulação contenciosa produz efeitos retroativos, o serviço prestado pelo Autor no período compreendido entre … de 1995 e de … de 1998, não foi classificado.
Q. Em 13 de Janeiro de 2006, data da notificação da deliberação classificatória, tinha sido há muito ultrapassado o prazo previsto no nº 2 do artigo 112° do Estatuto do Ministério Público. Consequentemente o acórdão recorrido devia ter determinado o reconhecimento da classificação presumida de Bom, nos termos do n° 3 do artigo 112° do Estatuto do Ministério Público. Não o fazendo violou tal disposição legal e deve ser revogado e substituído.
Termos em que deve o acórdão impugnado ser revogado e substituído por outro que declare nula ou anule a deliberação do Plenário do Conselho Superior do Ministério Público, datada de 29 de Setembro de 2004 ou de 26 de Abril de 2005, que atribuiu ao agora recorrente a classificação de Medíocre, e que foi mantida pelas razões constantes da deliberação do Plenário do Conselho Superior do Ministério Público, de 17 de Maio de 2006, que desatendeu a reclamação formulada pelo então reclamante, condenando-se a entidade recorrida a reconhecer a atribuição ao recorrente da classificação presumida de Bom, tal como estabelecido no n° 3 do artigo 112° do Estatuto do Ministério Público, assim se fazendo a usual Justiça.
2. A autoridade recorrida contra-alegou concluindo que “ o douto Acórdão recorrido fez uma correta interpretação e aplicação da lei, não enfermando de qualquer dos vícios ou erros que lhe vêm imputados, devendo ser mantido”.


2.      Fundamentos

2.1. De Facto
No acórdão recorrido foram dados como provados os seguintes factos:
1. O autor é magistrado do Ministério Público, tendo tomado posse, como delegado do Procurador da República, na comarca de …, em … de 1980.
2. O serviço prestado como Delegado do Procurador da República foi classificado duas vezes, primeiro na comarca de … e depois na de …, e em ambas de Bom com Distinção, por deliberações do Conselho Superior do Ministério Público, datadas de 16 de Dezembro de 1986 e de 2 de Julho de 1991, respetivamente.
3. Em ... de ... de 1994, foi promovido a Procurador da República e, nessa qualidade, veio a ser colocado, a seu pedido, no Círculo Judicial de …, onde iniciou funções em … de 1995, tendo ficado afeto à Procuradoria da comarca.
4. No ano de 1998, procedeu-se a inspeção extraordinária do serviço prestado pelo autor, na qualidade de Procurador da República, na comarca de …, abrangendo o serviço prestado no período compreendido entre … de 1995 e … de 1998.
5. Concluída a inspeção, o senhor inspetor elaborou o respetivo relatório propondo a atribuição da classificação de Bom.
6. Notificado para se pronunciar, o autor reclamou a classificação de Muito Bom.
7. Por deliberação do Plenário do Conselho Superior do Ministério Público, de 29 de Setembro de 1999, foi o autor, contra a proposta do inspetor, classificado de Medíocre, com suspensão automática imediata e abertura de inquérito para aferir da aptidão para o exercício de funções.
8. Deste ato, o agora autor interpôs recurso contencioso de anulação junto da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo, que veio a ser decidido por acórdão de 17 de Fevereiro de 2004 (Processo n.° ...) [cfr. Doc.1 do autor].
9. Tal decisão anulou o ato então recorrido, por vício de forma por falta de fundamentação.
10. No entretanto, o inquérito instaurado em consequência da atribuição da classificação de Medíocre, concluiu que o agora autor mantinha aptidão para o exercício das funções de magistrado do Ministério Público.
11. Da ata da reunião do Conselho Superior do Ministério Público, ocorrida em 29 de Setembro de 2004 (ata n.° 15/2004), consta, no ponto 12, a seguinte menção: «Proc° n° 22/99 - L.° RMP 14 - Reapreciação da deliberação do Conselho Superior do Ministério Público de 29 de Setembro de 1999, que classificou o serviço prestado pelo Exmo. Procurador da República Lic. A…, no Círculo Judicial de …, de Medíocre, por efeito de decisão relativa a recurso apresentado no Supremo Tribunal Administrativo. Relator: Dr. R…. O Conselho, por maioria, deliberou manter a classificação de Medíocre e redistribuir o processo a novo relator, para elaboração do acórdão, em virtude do primeiro ter ficado vencido. Votaram a classificação de Bom os Srs. Drs. M., O., J., L., J. e R.» [Cfr. Doc. 2], ou seja 6 em 16 membros presentes.
12. Do ocorrido nada foi notificado, na altura, ao autor.
13. Da ata da reunião do Conselho Superior do Ministério Público, que teve lugar em 26 de Abril de 2005 (ata n° 7/2005), consta, no ponto 12, a seguinte menção: «Proc° n° 22/99 - L.° RMP 14 - Reapreciação da deliberação do Conselho Superior do Ministério Público de 29 de Setembro de 1999, (que classificou o serviço prestado pelo Exmo. Procurador da República Lic . A…, no Círculo Judicial de …, de medíocre, por efeito de decisão relativa a recurso apresentado no Supremo Tribunal Administrativo. Redistribuído para elaboração de acórdão. Relator: Dr. B.. O Conselho deliberou manter a classificação de Medíocre (doc. 3)» [Cfr. Doc. 3].
14. Efetivamente, na reunião do Conselho Superior do Ministério Público, de 26 de Abril de 2005, foi elaborado um acórdão, o referido doc. 3, que conclui: «a) atribuir ao Lic. A... a classificação de “Medíocre” pelo serviço prestado com a qualidade profissional de Procurador da República na comarca de …, no período compreendido entre … de 1995 e … de 1998; b) decidir que as consequências decorrentes do disposto no art° 110°, n° 2, do Estatuto do Ministério Público, se têm por preenchidas pelo inquérito instaurado na sequência do Acórdão de 29 de Setembro de 1999 do Conselho proferido nestes autos» [Cfr. Doc. 4].
15. No final do texto do acórdão encontram-se apostas oito assinaturas manuscritas, duas delas seguidas da menção «com voto de vencido», entre parênteses.
16. Para além disso, encontra-se também aposto um texto manuscrito, assinado pela senhora Coordenadora da Procuradoria-Geral da República, do seguinte teor: «Consigno que tiveram voto de conformidade os Exmos. Srs. Drs. A., P., M. e L. os quais não assinam o presente acórdão por não estarem presentes. Lisboa, 26/4/2005».
17. Quer os 8 membros referidos no n.° 15 quer os 5 membros identificados no n.° 16 integravam a formação do CSMP que votou a deliberação identificada no n.° 11, de 29 de Setembro de 2004 (ata n.° 15/2004).
18. Esse texto, que tem por referência a reunião do Conselho Superior do Ministério Público, de 26 de Abril de 2005, foi notificado ao agora autor em 13 de Janeiro de 2006, acompanhado do texto da antecedente deliberação de 29.9.04.
19. Do texto que lhe foi notificado, veio o autor reclamar para o Plenário do Conselho Superior do Ministério Público, em 18.1.06 (fls. 554/559 do PI), formulando os pedidos de declaração de caducidade da deliberação reclamada, de declaração de inexistência da deliberação reclamada, de declaração de nulidade da decisão reclamada e, por último, revogação e sua substituição por uma deliberação atribuindo classificação de mérito.
20. Por deliberação adotada na reunião de 17 de Maio de 2006, o Conselho Superior do Ministério Público resolveu desatender, na sua totalidade, a reclamação apresentada pelo autor [Cfr. Doc. 5].
21. Na parte final da deliberação encontram-se apostas quinze assinaturas. Uma com a seguinte menção «votei a favor, exceto quanto à apreciação da reclamação na parte respeitante ao mérito»; outra com a menção «vencido por não acompanhar a tese que fez vencimento no sentido de poder a atual composição do CSMP decidir a reclamação».
22. A deliberação de 17 de Maio de 2006, do Conselho Superior do Ministério Público, foi notificada ao autor em 26 de Maio de 2006.
23. Posteriormente, veio o autor a formular um pedido de aclaração da deliberação do Conselho Superior do Ministério Público, de 17 de Maio de 2006. 
24. Tal pedido foi indeferido por deliberação do Plenário do Conselho Superior do Ministério Público, de 11 de Julho de 2006, notificada em 14 de Julho de 2006 [Cfr. Doc.6].
25. Todas as deliberações imputadas ao CSMP são do seu Plenário.

2.2. De Direito
1. O acórdão recorrido considerando que a ação deu entrada neste Tribunal, muito para além do prazo legal de 3 meses, não conheceu dos vícios de violação do art. 100º do CPA, por falta de audiência prévia, de erro nos pressupostos e violação dos princípios da imparcialidade e proporcionalidade por, todos eles, acarretarem mera anulabilidade.
A decisão foi justificada nos seguintes termos:
“(...) O autor vem impugnar a deliberação de 26 de Abril de 2005 proferida pelo Plenário do CSMP (e com ela a de 29 de Setembro de 2004, aquela que verdadeiramente o classificou de Medíocre). Essa deliberação foi-lhe notificada a 13 de Janeiro de 2006 (e aí também remetida cópia da anterior), sendo certo que a presente acção entrou neste Tribunal em 8 de Agosto de 2006. De acordo com o disposto no art° 58, n.° 2, b), do CPTA a impugnação de atos administrativos anuláveis deve, normalmente, ser intentada no prazo de 3 meses. A contagem desse prazo obedece, face ao n.° 3, às regras para propositura de ações previstas no CPC (art° 144 do CPC, que impõe a suspensão do prazo durante as férias judiciais). Em matéria de “Início de prazos de impugnação” rege o art° 59 do CPTA em cujo n.° 4 se vê que “A utilização de meios de impugnação administrativa suspende o prazo de impugnação contenciosa do acto administrativo, que só retoma o seu curso com a notificação da decisão proferida sobre a impugnação administrativa ou com o decurso do respetivo prazo legal”. Este preceito reporta-se, apenas, à utilização de meios de impugnação administrativa facultativos, o caso dos autos, porquanto, tratando-se de impugnações necessárias, o ato não é ainda passível de impugnação contenciosa não estando nenhum prazo a correr para esse efeito (Código de Processo nos Tribunais Administrativos, I, de Mário Esteves de Oliveira e outro, 391). Ora, o prazo para o órgão competente apreciar e decidir a reclamação é de 30 dias (art° 165 do CPA) sendo normalmente o mesmo para o recurso hierárquico, podendo, neste caso, ser prorrogado (art° 175). Importa, portanto, verificar se entre 13 de Janeiro e 8 de Agosto ocorreu algum facto que possa ter desencadeado a suspensão do referido prazo e a respetiva repercussão na questão que nos ocupa. Com a notificação a ocorrer a 13.1 o cômputo do prazo iniciou-se a 14.1 (art° 279, b), do CC) mas suspendeu-se a 18.1 com a reclamação deduzida pelo autor nesse dia (art° 59, n.° 4, do CPTA), para voltar a correr a 15.3 (art°s 72, 165 e 69 do CPA) uma vez que o citado o art° 59, n.° 4, do CPTA apenas suspende o prazo de impugnação contenciosa do ato administrativo com a notificação da decisão proferida sobre a impugnação administrativa ou com o decurso do respetivo prazo legal” (ou seja, com a verificação daquele destes factos que ocorresse em primeiro lugar, acrescido dos 8 dias referidos no art° 69 do CPA, no caso do último) e a reclamação deduzida só foi apreciada em 20.5 (ponto 20 dos factos provados). Para além das férias judiciais (Férias judiciais da Páscoa, iniciadas no domingo de Ramos, 9.4, e terminadas na segunda-feira de Páscoa, 17.4, art° 12 da Lei n.° 3/99, de 13.1) não se verificou qualquer outro facto com virtualidades suspensivas. Como estamos a lidar com dois prazos, um contado em meses (3 meses) e outro em dias (30 dias), ter-se-á de transformar o de meses em dias (90 dias) para que tudo se possa compatibilizar. Entre 14.1 e 18.1 decorreram 4 dias, suspendendo-se então o prazo cuja contagem se reiniciou a 15.3 e cuja suspensão se voltou a verificar em 9.4, correndo então mais 25 dias. Retomou o seu curso normal em 18.4, terminando a 18.6, 61 dias depois, transferindo-se para 19.6, o primeiro dia útil seguinte. A presente acção apenas deu entrada neste tribunal em 8 de Agosto de 2006 e, portanto, muito para além do prazo de 3 meses em que os vícios geradores de anulabilidade podiam ser suscitados”. 
O autor, ora recorrente, discorda desta decisão por duas ordens de razões. Primeira, porque considera que o acórdão interpretou e aplicou incorretamente a norma do nº 4 do art. 59°, nº 4 do CPTA. Segunda, porque “como a deliberação de 17 de Maio de 2006 integrou na anterior uma justificação até aí inexistente, não pode deixar de proceder a uma novação do prazo para a impugnação contenciosa do ato administrativo em causa”. 
Apreciemos a primeira. 
Relativamente a esta, alega que é erróneo interpretar o nº 4 do art. 59° do CPTA, “como se a suspensão da contagem do prazo de impugnação cessasse a partir do facto que ocorresse em primeiro lugar (notificação da decisão sobre a impugnação administrativa ou o decurso do prazo legal de decisão) argumentando, no essencial, que: (i) a disposição em causa tem por objetivo claro a dinamização da composição administrativa dos litígios como forma de aliviar os tribunais da pressão crescente que se vem fazendo sentir, (ii) de acordo com esse objetivo é óbvio que a regra é a de que a suspensão do prazo de impugnação contenciosa de atos administrativos ocorre até à notificação da decisão que resolve a impugnação administrativa; (iii) só que o legislador quis obviar aos casos de silêncio administrativo e estabeleceu uma regra supletiva e subordinada destinada a introduzir um elemento objetivo de certeza que permita ultrapassar impasses (iv) e é por isso que, apenas nos casos de omissão do cumprimento do dever de decisão, a suspensão cessa com o termo do prazo de decisão da impugnação efetivamente interposta, (v) logo, no caso concreto, tendo a decisão da reclamação ocorrido em 17 de Maio de 2006, bem dentro do prazo de impugnação, não há caducidade do direito de ação. 
Vejamos. 
A letra da lei, ponto de partida e limite da interpretação (art. 10°/2 Civil), é a seguinte:
«A utilização de meios de impugnação administrativa suspende o prazo de impugnação contenciosa de ato administrativo, que só retoma o seu curso com a notificação da decisão proferida sobre a impugnação administrativa ou com o decurso do respetivo prazo legal».
A nosso ver, no caso em apreço, o elemento gramatical é um forte índice da bondade da interpretação feita pelo acórdão recorrido. Na verdade, em face do texto, é inequívoco que, para termo da suspensão do prazo de impugnação, o legislador elegeu dois factos: (i) a notificação da decisão da impugnação administrativa e (ii) o decurso do respetivo prazo legal. E articulou-os, entre si, através da conjunção coordenativa alternativa ou, isto é de um vocábulo “que liga dois termos ou orações de sentido distinto, indicando que, ao cumprir-se um facto, o outro não se cumpre.” (Celso Cunha e Lindley Cintra, “Nova Gramática do Português Contemporâneo”, p. 576)
Deste modo, o texto da lei inculca a ideia de que aquelas duas causas de cessação da suspensão do prazo de impugnação contenciosa estão em situação de paridade e que, em cada caso concreto, verificada qualquer uma delas, já não opera a outra. 
É este o sentido que, com clareza, brota do elemento literal e que, visitados os demais elementos de interpretação, se perfila como expressão fiel do pensamento legislativo.
A caducidade do direito de ação é consagrada a benefício do interesse público da segurança jurídica que reclama que a situação das partes fique definida de uma vez para sempre com o transcurso do respetivo prazo. (Manuel Andrade, “Teoria Geral da Relação Jurídica”, II, 3ª reimpressão, p. 464) 
A certeza jurídica, é, seguramente, o fim da norma do art. 59°/4 do CPTA, enquanto estabelece um termo final para a suspensão. Se a impugnação administrativa suspende e, na medida da respetiva duração, inutiliza o prazo da impugnação contenciosa, então, sob pena se eternizar a indefinição acerca da situação jurídica das partes, é forçoso, em nome da segurança, impor um limite à duração da suspensão. Este desiderato só é alcançável com a interpretação perfilhada no acórdão recorrido: a suspensão, se antes não tiver o seu termo, mediante a notificação da decisão, mantém-se, no máximo, por tempo igual ao que está legalmente concedido à Administração para decidir a impugnação administrativa. Finalidade essa que será postergada pela leitura defendida pelo recorrente, isto é, com o sentido que decorrido o prazo legal de decisão da impugnação administrativa, subsiste ainda a suspensão do prazo de impugnação contenciosa, por tempo indeterminado, até ocorrer a decisão que vier a resolver a impugnação administrativa.
Assim, a interpretação feita pelo recorrente não é a mais próxima da letra da lei e compromete a segurança jurídica, um dos fins da norma do art. 59º/4 CPTA.
E não há outros fins da lei e/ou razões de sistema que a suportem, desde logo o alegado objetivo de dinamizar a composição administrativa dos litígios como forma de aliviar os tribunais da pressão crescente que se vem fazendo sentir.
Antes de mais, porque no modelo contencioso do CPTA a impugnação administrativa é uma faculdade do interessado. Para que se lhe abra a porta do tribunal, nem é obrigado à impugnação administrativa prévia, nem está impedido de proceder à impugnação contenciosa na pendência da impugnação administrativa (arts. 51°/1 e 59°/5 do CPTA). Ora, neste contexto, não será de excluir do conjunto dos fins da lei, enquanto consagra a suspensão do prazo de impugnação contenciosa por via da impugnação administrativa, o intuito de incentivar a resolução extra - judicial dos litígios. Mas, se o interessado pode impugnar contenciosamente sem impugnação administrativa, com impugnação administrativa e apesar da impugnação administrativa, então, já não é defensável considerar que esse propósito de alijar a carga dos tribunais seja o fim determinante da lei.
Depois, porque não se vê justificação racional para que esse fim não deva harmonizar-se com o da segurança jurídica e/ou lhe deva sobrelevar.
Pelo exposto, o acórdão recorrido interpretou corretamente a norma do art. 59°/4 do CPTA, com o sentido que a suspensão do prazo da impugnação contenciosa cessa com a notificação da decisão proferida sobre a impugnação administrativa ou com o decurso do respetivo prazo legal, conforme o facto que ocorrer em primeiro lugar. 
Passemos a apreciar a segunda razão de discordância do recorrente quanto à questão da intempestividade que determinou a decisão de não conhecer dos vícios geradores de mera anulabilidade. 
Na presente ação administrativa especial o autor, ora recorrente, formulou o seguinte pedido: “requer a declaração de nulidade ou a anulação do ato impugnado - deliberação do Plenário do Conselho Superior do Ministério Público, datada de 26 de Abril de 2005, que atribuiu ao agora autor a classificação de Medíocre, mantida pelas razões constantes da deliberação do Plenário do Conselho Superior do Ministério Público de 17 de Maio de 2006, que desatendeu a reclamação formulada pelo autor.”
Em face deste pedido temos por irrepreensível a conclusão do acórdão recorrido de que o ato contenciosamente impugnado é a deliberação de 26 de Abril de 2005. 
Alega o recorrente que o tribunal a quo deveria ter considerado tempestiva a ação, também em relação aos vícios que são fonte de mera anulabilidade, porque (i) por deliberação 17 de Maio de 2006 a autoridade recorrida proferiu decisão sobre a impugnação administrativa, que indeferiu, mas com a integração de elementos de justificação que até aí eram desconhecidos e que o autor reputa de decisivos para perceber qual a posição da entidade demandada; (ii) assim, a deliberação de 17 de Maio de 2006 integrou na deliberação de 26 de Abril de 2005 uma justificação até aí inexistente; (iii) como tal, não pode deixar de proceder a uma novação do prazo para a impugnação contenciosa do ato administrativo em causa. 
A crítica ao aresto tem, pois, por base, a introdução, através da deliberação de 17 de Maio se 2006, de “elementos de justificação que, até aí, eram desconhecidos e que o autor reputa de decisivos para perceber qual a posição da entidade demandada”. E nada mais. O recorrente não substancia a sua alegação. Limita-se àquela afirmação genérica, sem identificar qualquer dos supostos novos elementos, sejam eles de facto e/ou direito, e sem concretizar, comparando com a deliberação de 26 de Abril de 2005, as razões pelas quais reputa tais elementos de decisivos para perceber a posição da entidade demandada. 
Porém, a invocada novidade dos elementos justificativos, por si só, a possibilidade de a deliberação de 17 de Maio de 2006, que desatendeu a impugnação administrativa, consubstanciar, nalguma medida, a retificação da deliberação de 26 de Abril de 2005, mediante a correção de erros de cálculo e/ou erros manifestos na expressão da vontade do autor do ato, de acordo com o disposto no art. 148°/l do CPTA, coisa que o recorrente, aliás, também não alega.
Ora, relativamente ao ato que o autor elegeu como impugnável na presente ação administrativa especial — deliberação de 26 de Abril de 2005 — os elementos de justificação constantes na deliberação de 17 de Maio de 2006 só determinariam o início de novo prazo, nos termos previstos no art. 59°/8 do CPTA se corporizassem retificação quanto “à indicação do autor, do sentido ou dos fundamentos da decisão”. 
Afora isso, não há novação do prazo para impugnar a deliberação de 26 de Abril de 2005. Os motivos até então desconhecidos introduzidos na definição da situação jurídica, pela decisão da impugnação administrativa, a existirem, podem, eventualmente, constituir, por ratificação, reforma ou conversão, um outro ato e, nesse caso, abrir um outro prazo de impugnação contenciosa, relativo a um ato novo. Mas não determinam a abertura de um novo prazo para a impugnação judicial do ato que foi objeto de impugnação administrativa. 
Em suma: o acórdão recorrido não merece censura na parte em que recusou conhecer das invalidades imputadas ao ato impugnado determinantes de mera anulabilidade[2]

Anotação
A tempestividade como pressuposto da impugnação de atos administrativos (a par da impugnabilidade e da legitimidade), tem-se confessado um elemento persistente de várias relações materiais controvertidas nos nossos tribunais administrativos e acima de tudo, pressuposto abandonado à discricionariedade do poder jurisdicional[3]. O fator que delimita a importância dos emprazamentos de impugnação (lato sensu, como veremos adiante), tem feito escorrer muita tinta entre a nossa doutrina e, bem ou mal, tem servido para ferir o direito à tutela jurisdicional efetiva dos particulares como aliás, sobrevém da douta sentença que adiante anoto.
Importa-nos primeiramente abreviar a perversa teia de recursos e alegações que fez subir os autos ao Supremo Tribunal Administrativo e que se podem perfeitamente descortinar em breves palavras[4]:  
Aquando da impugnação administrativa da deliberação do plenário do Conselho Superior do Ministério Público, datada de 26 de Abril de 2005, que atribuiu ao recorrente a classificação de Medíocre, suspendeu-se o prazo de impugnação contenciosa, «que só retoma o seu curso com a notificação da decisão proferida sobre a impugnação administrativa ou com o decurso do respetivo prazo legal» (artigo 59.º n.º4 do CPTA). O recorrente é notificado da decisão a 13 de Janeiro de 2006 e o prazo volta portanto a correr a 14 do mesmo mês (artigo 279.º al. b) do CC), e volta a suspender-se 4 dias depois, com a reclamação deduzida pelo autor nesse dia. Até aqui nenhuma hesitação se levanta de parte-a-parte, quanto à contagem dos prazos, contudo, o nosso legislador deixou-nos uma pequena atarantação com a parte final do n.º4 do artigo 59.º do CPTA, fazendo depender a suspensão do prazo de impugnação, não só da notificação da decisão proferida pelo órgão, como também do decurso do respetivo prazo legal (imposto ao órgão administrativo para se pronunciar). Assim, escorado no elemento literal da lei, e recorrendo-se dos artigos 72.º, 165.º e 69.º do CPA, Supremo Tribunal Administrativo fez voltar a correr o prazo a 15 de Março do mesmo ano (findo o prazo que o órgão tinha para decidir). Concludentemente, esse tribunal encontra no dia 18 de Junho de 2006, o fim do prazo legal (90 dias), para impugnação contenciosa, como dispõem os artigos 2.º n.º2 al. b) e 144.º n.º1 do CPC).
No entender o recorrente, o n.º4 do artigo 59.º do CPTA tem por «objetivo claro a dinamização da composição administrativa dos litígios como forma de aliviar os tribunais da pressão crescente que se vem fazendo sentir» e pressionar a administração a responder atempadamente aos recursos dos particulares e por isso, «a regra é a de que a suspensão do prazo de impugnação contenciosa de atos administrativos ocorre até à notificação da decisão que resolve a impugnação administrativa»[5].
O desentendimento entre as partes, perde-se com a ratio deste n.º 4 do artigo 59.º do CPTA, que suspende o prazo de impugnação contenciosa até notificação da decisão ou (e este “ou” vai tornar-se bastante relevante para o tribunal) o decurso do prazo legal conferido ao órgão administrativo para se pronunciar.
Um a um, importa-nos aqui analisar cada argumento do Supremo Tribunal para melhor destrincar o Direito a assentar na situação sub judice.
Pois vejamos.
Os desacertos deste acórdão espraiam-se desde logo com o (único) «ponto de partida» encontrado pelo nosso Superior Tribunal para desenhar os contornos do supra referido nº 4: a letra da lei. Logo aqui, parece que aos nossos juízes, lhes escapou o preceito legal do n.º1 do artigo 9.º do CC, que imprime que «a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstruir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.» Adianto deste já, que me parece que todos (ou quase todos) os argumentos transpostos neste acórdão, acabam por falecer à luz da interpretação que devia ter sido tomada face ao n.º4 do artigo 59.º do CPTA, já que suportando-se apenas do elemento literal, o tribunal acaba por se esquecer do pensamento legislativo, desprezando a «unidade do sistema jurídico» e com isso, ferindo o direito o direito fundamental de impugnação dos atos administrativos lesivos dos particulares.
De facto, é absolutamente necessário entender por que linhas se conduz o pensamento legislativo, quanto à suspensão do prazo para impugnação contenciosa.
Parece-me absolutamente clara a propensão do nosso legislador, para garantir uma maior proteção dos interesses dos particulares, nomeadamente com o disposto no artigo 268.º n.º 4 da Constituição, onde erige o direito fundamental de impugnação dos atos administrativos lesivos dos particulares, consagrando um modelo de justiça administrativa que tem por função a proteção dos direitos dos particulares[6].
Prendamo-nos contudo, novamente, no pensamento legislativo que serve de pano de fundo a este n.º4 do artigo 59.º do CPTA. O acórdão em análise assevera como fim da norma, a certeza e segurança jurídicas, servindo a norma para «que a situação das partes fique definida de uma vez para sempre com o decurso do respetivo prazo[7]». Não me parece defensável esta posição, na medida em que o limite imposto à duração da suspensão terá outro fim, que não apenas a segurança jurídica. Não quero com isto, apagar a segurança jurídica da norma – longe de mim! Parece-me bastante claro que, como refere o versado acórdão, a circunscrição de prazos administrativos, trazem às nossas realidades jurídicas a estabilidade e a certeza necessárias à atuação transparente do poder público. Contudo, parece-me claro também que essa certeza não se limita apenas a trazer à administração alguma certeza quanto à atuação que o particular depois de recebida a pronúncia da administração (como quer arguir o acórdão), mas também – e mais ainda – garantir ao particular a mesma segurança, evitando que este se mantenha ad eternum à espera de uma resposta da administração[8].
A pergunta que se imporia agora seria: mas qual a vantagem para o particular, deste exaurir os recursos administrativos, se poderia ir diretamente para uma impugnação contenciosa?
De facto, o particular não é obrigado a exaurir todos os meios de impugnação graciosos antes de lhe verem abertas as portas dos tribunais (artigo 59.º n.º5 do CPTA), e com o n.º4 do artigo 59.º do CPTA retira (bem como a própria administração) inúmeras vantagens se o fizer:
Primeiramente, importa referir que a administração, não só tem oportunidade de repensar as suas decisões e com isso, melhor defender a legalidade e o interesse público, como também, podem as partes encontrar um meio-termo entre as suas posições, evitando em ambos os casos dirimir contenciosamente o seu litígio; nas palavras de VASCO PEREIRA DA SILVA, a suspensão do prazo do supra referido nº4, proporciona o «proporciona o bom funcionamento do sistema de justiça administrativa, pois o eficaz funcionamento das garantias administrativas poderia servir como “filtro” a litígios suscetíveis de ser previamente resolvidos[9]»[10]. Não podemos também esquecer, que na hipótese do litígio se resolver extrajudicialmente, os particulares (bem como a administração) não se expõem à possibilidade do eventual pagamento de taxas de justiça e demais despesas decorrentes de um litígio judicial.
Nestas vantagens encontramos a resposta para o argumento lançado pelo STA quanto à fundamentação do recorrente de que, este nº4 de pretende alijar a carga dos tribunais administrativos incentivando a resolução extrajudicial de litígios. Argui então o tribunal, que não faz qualquer sentido defender esta posição, já que «o interessado pode impugnar contenciosamente, sem impugnação administrativa, com impugnação administrativa e apesar da impugnação administrativa» e sendo assim, «já não é defensável considerar que esse propósito de alijar a carga dos tribunais seja o fim determinante da lei». Esquece-se notoriamente o mesmo tribunal, que se o legislador condicionasse o recurso a impugnação contenciosa à exaustão dos meios de impugnação administrativa, estaríamos perante uma violação de vários princípios constitucionais[11], entre eles, o princípio da desconcentração administrativa (artigo 267.º, nº2 da CRP) e o princípio da plenitude e efetividade da tutela dos direitos dos particulares. Não menos importante é também o desrespeito pelo art. 7º do CPTA que onera o juiz a interpretar a norma «no sentido de promover a emissão de pronúncias sobre o mérito das pretensões formuladas» (artigo 7.º do CPTA).
A mesma posição quanto aos fins do n.º4 do artigo 59.º do CPTA, foi assente por MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS ALBERTO FERNANDES no Código de Processo nos Tribunais Administrativos Anotado: «A norma (o referido número) facilita a generalização dos meios graciosos, numa tentativa de evitar a eclosão de litígios judiciais[12]».[13]
Mais nenhum argumento importante parece emergir deste acórdão (quanto, claro está, à suspensão do prazo), pelo que parece ser portanto agora a altura, de discorrer as considerações finais desta anotação.
Como podemos facilmente concluir, que o tribunal viu-se perante um problema de interpretação de uma norma jurídica, i.é. saber se deveria ou não aplicar a parte final do artigo 59.º n.º4, visto in casu, a notificação da decisão ocorrer depois de vencido o prazo legal que o órgão administrativo dispõe para decidir. O tribunal prendeu-se – claramente de forma errada! – à interpretação literal do preceito, ao invés de se apoiar num elemento sistemático – que, como vimos, rapidamente nos mostraria que o nosso ornamento jurídico na sua totalidade se inclina para garantir aos particulares uma maior acesso à jurisdicionalidade administrativa – ou teleológico – que apontaria para a ratio da norma[14] - o que se consubstanciou numa clara profanação no princípio da efetivação do direito de acesso à justiça, disposto no artigo 7.º do CPTA.
Assim, entre as duas opções possíveis, o nosso Supremo Tribunal Administrativo, optou pela que mais restringe o acesso dos particulares à justiça violando o princípio da prevalência da interpretação mais conforme aos direitos fundamentais – aqui o direito fundamental do impugnante de acesso à justiça administrativa[15]. Acresce que interpretar ente nº4 da forma que fez o tribunal, implica uma limitação ao acesso dos particulares à tutela jurisdicional e com isso pode-se consubstanciar numa violação do princípio constitucional da desconcentração administrativa (artigo 267.º, n.º2 da CRP), podendo apenas o particular recorrer para o mesmo órgão – sem prejuízo, evidentemente, da estrutura hierárquica da organização administrativa – já que caducando o prazo de impugnação contenciosa (lembre-se que a decisão é proferida depois vencido o prazo de impugnação contenciosa), resta apenas ao particular, recurso para o mesmo órgão. Pela ordem de razão, viola-se também o princípio constitucional da plenitude de tutela dos direitos dos particulares (há pois uma negação do direito fundamental ao recurso contencioso) e o princípio da efetividade da tutela (já que se preclude o prazo para impugnação contenciosa).
 Compreendo portanto, que neste caso, a solução mais correta seria – à luz de uma interpretação sistemática do preceito – não se aplicasse o disposto na parte final do nº4 do artigo 59º do CPTA, aos casos em que o órgão administrativo se pronuncia depois de vencido o prazo que disponha para tal e consequentemente prescreva o direito do particular para impugnação contenciosa. Assim, os nossos tribunais deveriam contornar a parte final deste número – que sem dúvida, além de inconstitucional é também bastante infeliz! – através da aplicação analógica do disposto no n.º4 do artigo 58.º do CPTA, alargando para um ano a suspensão do prazo de impugnação contenciosa.

 Jorge Pinto de Almeida
Nº 21515



[1] De fora desta anotação, estão três outros temas tratados neste acórdão, nomeadamente, o II (A decisão da impugnação administrativa só determina o inicio de novo prazo de impugnação judicial do ato administrativamente impugnado quando corporize a respetiva retificação e esta diga respeito à indicação do autor, do sentido ou dos fundamentos da decisão (art. 59º/8 CPTA); o III (a deliberação do CSMP, registada em ata e assinada por todos os presentes, com a identificação dos vencedores e vencidos, que atribui classificação de serviço a um magistrado, mas que deixa para momento posterior a elaboração do acórdão, pelo facto de o relator inicial ter ficado vencido, não padece de invalidade decorrente da adoção de tal procedimento), e o IV (estando o serviço prestado por um magistrado, em determinado período, classificado pela deliberação contenciosamente impugnada, improcedendo a impugnação desta, improcede, igualmente, o pedido de reconhecimento da classificação presumida de Bom, relativamente àquele mesmo tempo de serviço), sob pena de não conseguir aprofundar devidamente nenhum dos temas.
[2]  Visto não a analisarmos, não há qualquer motivo pra traspormos a parte restante parte do acórdão.
[3] Não me cabe aqui, contudo, analisar exaustivamente as distrações do nosso legislador a este propósito, pese embora também não esteja esquecido da desmedida dificuldade em empilhar no nosso ornamento jurídico os princípios fundamentais relativos à tutela dos direitos dos particulares e a flexibilização da atuação do poder público.
[4] Como se mostra evidente, todo o comentário tratará apenas os temas indicado supra; Cfr. nota 1.
[5] Cfr acórdão em análise: acórdão do STA de 27 de Fevereiro de 2008, processo n.º 0848/06 (Relator: POLÍBIO HENRIQUES).
[6] Neste sentido, vide VASCO PEREIRA DA SILVA, «O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise – Ensaio Sobre as Ações no Novo Processo Administrativo», 2.ª edição, Almedina, Coimbra, 2009, página 343.
[7] O acórdão remete, nesse sentido, MANUEL ANDRADE, «Teoria Geral da Relação Jurídica», II, 3ª reimpressão, página 464.
[8] No âmbito dos procedimentos concursais e em geral das relações jurídicas poligonais merece a pena referir que «a não estabilização dos atos administrativos seria também prejudicial para os contrainteressados na procedência da impugnação, não valendo por isso o argumento garantístico (ou seja, a desvantagem de uns anularia a vantagem de outros). Mas tal ordem de razões é a nosso ver improcedente: na verdade, a fixação de prazos curtos para a impugnação de atos administrativos (mesmo que a eles acresçam os também curtos prazos de decisão das impugnações graciosas), enquanto restrição legal constitucionalmente autorizada ao direito, liberdade e garantia de natureza análoga de acesso à justiça administrativa, apenas é justificável, do ponto de vista da estabilidade das decisões administrativas, em razão do interesse público que preside a toda a atividade administrativa, e não (também) de interesses particulares eventualmente cobertos por essas decisões» cfr. JOÃO PACHECO DE AMORIM, «As garantias administrativas no Código dos Contratos Públicos», in Estudos de Contratação Pública – II, Coimbra Editora, Coimbra, 2010, cit., pp. 204 e 205, nota 6.
[9] Vide, vide VASCO PEREIRA DA SILVA, «O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise – Ensaio Sobre as Ações no Novo Processo Administrativo», 2.ª edição, Almedina, Coimbra, 2009, página 348.
[10] Na opinião do Professor, «para que o sistema de garantias graciosas pudesse ser verdadeiramente eficaz, seria ainda necessário criar órgãos administrativos especiais à semelhança dos “tribunals” do sistema britânico, de modo a salvaguardar a autonomia e a imparcialidade das entidades decisoras, assim como criar simultaneamente novos e específicos meios administrativos (…)». Cfr. VASCO PEREIRA DA SILVA, «O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise» – Ensaio Sobre as Ações no Novo Processo Administrativo», 2.ª edição, Almedina, Coimbra, 2009, página 348.
[11] Neste sentido, vide VASCO PEREIRA DA SILVA, «O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise – Ensaio Sobre as Ações no Novo Processo Administrativo», 2.ª edição, Almedina, Coimbra, 2009, página 348.
[12] MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3.ª edição revista, Almedina, Coimbra, 2010, p. 401
[13] Itálicos meus.
[14] Que, como referi supra, também se afigura protetora da segurança dos particulares.
[15] No mesmo sentido, cfr. JOÃO PACHECO DE AMORIM, «As garantias administrativas no Código dos Contratos Públicos», in Estudos de Contratação Pública – II, Coimbra Editora, Coimbra, 2010, cit., pp. 204 e 205, nota 6.