Não há
nada mais relativo do que a percepção que se tem da duração de um lapso
temporal: tanto se pode nem dar pela sua passagem, como achar infindável cada
instante que demore. As questões de prazos são, pois, sempre sensíveis.
No
contencioso administrativo, prevê-se (58º CPTA) um prazo de 3 meses para
impugnação de actos administrativos; contudo, o 58º/4 faculta o alargamento
desse prazo até um ano. Embora muito estimada pelos advogados, um clássico da
economia talvez ajude a perceber como esta disposição pode ter efeitos
nefastos. No livro Freakonomics (Stephen
D. Levitt/Stephen J. Dubner, 2005), dá-se conta de que, em Israel, havia um
infantário em que os pais deveriam recolher as crianças até às quatro da tarde.
Acontecia, porém, que muitas vezes os encarregados se atrasavam, deixando os
infantes à espera. Um grupo de economistas propôs, como meio de pôr termo a tal
situação, a introdução de uma multa equivalente a três dólares por cada atraso.
Resultado: o número de atrasos aumentou substancialmente. Os pais, ao que
parece, percepcionaram a nova política como um serviço que se poderia pagar –
deixaram de sentir o incentivo moral para não chegar atrasados. Pior: quando a
multa foi retirada, o número de atrasos não diminuiu, já que o “serviço” passara
a ser gratuito, desaparecendo por completo o incentivo moral*. Na economia do
58º, qual o incentivo moral para respeitar o prazo de três meses?
Claro que
isto só se aplica a actos anuláveis, já que a nulidade é invocável a todo o
tempo. Ora, esta diferença de regime tem merecido críticas a alguma doutrina.
Em concreto, o Prof. Vieira de Andrade tem-se pronunciado desfavoravelmente
face ao regime “apocalíptico” que é dispensado à nulidade, pugnando pela
intervenção dos princípios da boa fé e da tutela da confiança na “moderação” do
regime legal dessa invalidade. Entre outras coisas, defende o Autor que a
declaração de nulidade de actos favoráveis não deveria ser admitida a todo o
tempo, mas apenas “num prazo razoável”
(por imperativos de protecção da boa fé do particular e de estabilidade das
situações jurídicas)**.
Numa
simplificação, a ideia parece ser a de que, se na anulabilidade o regime, no
que toca a prazos, é muito rígido, no domínio da nulidade ele é demasiado
generoso. Temo, porém, que seja uma questão relativamente à qual nunca haverá
consenso. Neste ponto, é um clássico da literatura que convoco em meu auxílio. No
segundo capítulo do Micromegas,
novela filosófica de Voltaire, é relatado um diálogo entre Micromegas, o nosso
herói, habitante do planeta Sirius, figura de proporções gigantescas quando
comparado com os seres humanos e dotado de longuíssima vida, e um habitante de
Saturno, baixote e de vida fugaz quando comparado com aquele, mas igualmente
gigante e de longa vida quando comparado com os meros terráqueos. A dado ponto,
perguntam-se mutuamente quanto tempo vivem as respectivas espécies. Se o
habitante de Saturno lamenta “tão pouco!”,
Micromegas retorque: “é como nós! (…) não
vivemos mais do que quinhentas grandes revoluções do Sol (o que vem a dar cerca
de quinze mil anos). Bem vedes que é
morrer quase ao mesmo tempo em que se nasce (…); estive em países onde se vivia mil vezes mais tempo que na minha
terra, e vi que ainda resmungavam”.
Nada mais
relativo do que a percepção que se tem da duração de um prazo: tanto se lhe
pode apontar desmesurada extensão, como desabafar que “é morrer quase ao mesmo tempo em
que se nasce”.
*Para uma apreciação pormenorizada do
caso, veja-se http://www.nytimes.com/2005/05/15/books/chapters/0515-1st-levitt.html?_r=0 e, como primeira abordagem, o artigo
“Ceteris Imparibus”, de João Duque (caderno de Economia do “Expresso”, de 17 de Novembro de 2012)
**Cfr. J. C.
Vieira de Andrade, “A nulidade administrativa, essa desconhecida”, in Estudos em Homenagem ao Professor
Doutor Diogo Freitas do Amaral, pp 763-791 (784)
Lourenço Santos
Subturma 8
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